Cai o interesse em ser professor no País. Educadores explicam os porquês da queda

23/07/2010 18:48

 

O resultado da pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas onde aponta que menos de 2% dos vestibulandos fazem a opção para o magistério vem provocando preocupação em lideranças ligadas ao setor da Educação. O fato não se direciona apenas a uma região, mas, segundo os dados publicados que a instituição, todos os estados brasileiros vem sentindo essa forte queda, não só na vontade dos estudantes, mas também por parte daqueles que já estão no exercício da profissão. Em Tubarão, o ex-Gerente de Educação do Estado na região, Maurício da Silva e que também é professor há muitos anos vê esse quadro com muita apreensão. Sabe da pesquisa da Carlos Chagas e destaca ainda que esse percentual de menos de dois por cento tem mais um agravante: “aqueles que acharem que não serão bem sucedidos em outros cursos é que fazem essa opção. As melhores cabeças não estão vindo”, observa. Maurício da Silva credita a pouca vontade dos jovens optarem pela carreira do magistério pelo estado de abandono em que se encontra o setor. “Existem três situações que levam a isso. Primeira é a questão financeira. Os salários não são atrativos e a categoria vem sofrendo com a desvalorização. Em segundo, não são feitos treinamentos ou capacitação, que acaba resultando na queda da qualidade de ensino e também o mais grave, é a situação do professor ficar à mercê da indisciplina dos alunos. Ultimamente o que se vê é que o professor está com sua integridade física ameaçada, tendo em vista os últimos registros. Isso sem falar com a preocupação que o mestre tem com seus alunos nesse advento do bullyng. O professor enfatiza que existe uma única saída para que esse quadro comece a mudar. “Seria tornar a carreira mais atraente. Rever a questão salarial e a escola onde atua instituir metas que possam beneficiar o professor para que sejam valorizados financeira e profissionalmente. Em relação à Amurel, Maurício da Silva ainda considera que o ensino está indo em fase regular, citando que no Sul e Sudeste do País a situação é mais confortável. “É homogênea as condições nossas em detrimento do que acontece no Norte e Nordeste do País. Pelo que temos visto também, nos testes do Enem e também pelo IDEB, o grande problema está nas ações de determinados governos estaduais e municipais que estão pegando atalho para comporem melhor colocação no ranking. Isso sobre as taxas de aprovação. Estão criando formas para que os alunos sejam aprovados rapidamente sem ter aprendido o suficiente. Em nosso estado existem muitos casos neste sentido. Na verdade, o que nos interessa é que o aluno realmente aprenda”, denuncia. Dados do Censo Escolar mostram que a quantidade de docentes sem curso superior lecionando para os ensinos infantil, fundamental e médio saltou de 594 mil em 2007 para 636 mil em 2009; crescimento vai na contramão dos investimentos públicos na área.
 
Mestres defendem que carreira ainda é promissora, mas que tem de enfrentar desafios
O professor e historiador Manoel José Fonseca Rocha avalia que ser professor no Brasil nos dias de hoje é enfrentar desafios, diz que “dar aulas não é uma tarefa fácil. Exige comprometimento, responsabilidade, conhecimento e aceitação de uma platéia heterogênea”. Observa que ser professor é ser um artista com a missão de seduzir e cativar um público que nem sempre está disposto a ouvi-lo. “O professor é um profissional de muitas virtudes e a coragem é a maior delas. Afinal, não é fácil colocar-se diariamente diante de um grupo de pessoas de comportamentos e personalidades distintas, algumas dispostas a ouvir e outras, a fazer pouco caso das coisas que estão sendo ditas. Não é fácil também manter o bom humor e a mesma consistência didática na jornada diária, geralmente composta de três turnos. Ser professor é isso. É aceitar os desafios constantes de perceber seu público, sensibilizar-se e articular suas práticas de ensino a esse público”, avalia convicto. Por outro lado, o professor de Língua Portuguesa e especialista em relação étnicorracial - cronista e contista, Alailson Leal faz outro tipo de avaliação sobre a situação de ser professor atualmente. “Os tempos mudam. Objetos eletrônicos são substituídos, relacionamentos são desfeitos. Algumas profissões são substituídas por outras no decorrer do tempo. Será que a profissão professor também será substituída ou engolida por um sistema que cada vez mais oprime toda classe? O governo usa propaganda a fim de instigar as pessoas a serem professores, mostra que o profissional da educação é o maior culpado do desenvolvimento do mundo. Ele quer perguntar pra você se não quer ser professor. Parece que ser professor é como você pegar um uniforme e dizer: Hoje você vai dar aula em uma determinada escola do Estado. O que vai acontecer em um futuro próximo é não ter mais profissional da área, porque não há investimento, incentivo e tão pouco apoio por parte da sociedade. Pergunte hoje quem quer ser professor. A maioria vai afirmar outras profissões. Pesquisadores afirmam que ocorrerá o caos na educação pública, pois as vagas deixadas por professores que se aposentam, que mudam de função, não serão supridas por outros profissionais”. desabafa. Para ele, ser professor hoje nesse contexto requer equilíbrio, tolerância e, principalmente, controle emocional. “Deparam-nos por um lado com situações deprimentes: alunos intolerantes, violentos, sem perspectiva de futuro. Por outro lado, professores insatisfeitos, incompreendidos por uma sociedade que pensa em um professor perfeito, sem falhas, um herói, o qual não pode ter nenhum tipo de problema. Tudo à mercê de um sistema que prende as mãos e a cabeça. Nós, educadores, estamos sujeitos a situações constrangedoras, como sermos agredidos moral e fisicamente, ou até sermos mortos. Embora a situação seja crítica, nós, educadores, não perdemos a esperança, já que todos nós temos compromisso com a educação de qualidade, profissionais qualificados e, sobretudo, com a educação de nossos filhos. O que precisamos, por conseguinte, é de apoio do governo no sentido de viabilizar nossos anseios, nossa esperança de sermos reconhecidos pelo que realmente fazemos, conclui. A professora e mestre, Lucília Panisset, MSc., que é doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) destaca que se faz necessário uma mudança de paradigmas no sistema educacional, de modo que a interface entre saúde e educação - cujo foco é o aprendizado normal, assim como seus principais problemas - possa gerar uma neuropedagogia. “Juntas, essas duas áreas certamente poderão trilhar, de modo muito melhor, os caminhos para alcançar o objetivo maior: a plena realização de todo ser humano, respeitando-se sempre as múltiplas inteligências, os estilos pessoais, as necessidades educativas especiais, os talentos e as habilidades de cada um”, afirma.
 
Bullyng e agressões afastam mais os professores da profissão
Os registros de ocorrências onde a integridade física e emocional dos professores está colocadas em risco são mais uma das questões que estimulam as pessoas a buscarem novas funções. Nos últimos meses, a população brasileira vem assistindo espantada com os casos onde o mestre, cujo objetivo é dar a educação e ser a segunda família do estudante, é espancado e emocionalmente morre diante daquela que seria a messe de sua existência. Há pouco dias, no Rio de Janeiro, por ter sido obrigado a desligar o aparelho MP3 player, que insistia em ouvir em plena sala de aula, um aluno de 13 anos teria agredido uma professora, quebrando seu dedo anelar esquerdo. O caso, que ocorreu dia 10 último, em uma turma do 6º ano da Escola municipal Pereira Passos, no Rio Comprido, Zona Norte do Rio, foi parar na 6ª DP (Cidade Nova), onde a professora de português Eliana da Cunha Lopes, 61 anos, que leciona há 40, registrou queixa por lesão corporal. Ela conta que foi agredida quando retirou o aparelho e a mochila do estudante que, indignado, teria dado um soco e quebrado seu dedo.“Esse menino já foi expulso de outras escolas por problemas de comportamento. Isso foi relatado pelo próprio pai à direção, agora, quando foi chamado. As escolas deveriam ter um serviço psicológico, oferecido pela Secretaria de Educação, e não ficar jogando o aluno de um lado para outro”, afirma a vítima, que está de licença médica. Segundo a professora, existem muitos casos de violência praticada por alunos contra professores. “Muitos colegas não têm coragem de denunciar, ficam com medo. Em alguns casos, essas crianças são filhos de criminosos, que chegam a ameaçar os professores. Mas decidi não ficar calada. Isso é um absurdo”, conta.
Em Santa Catarina, o caso de maior repercussão não envolveu aluno e professor e sim a mãe de uma estudante, no maior colégio estadual do estado, o Instituto de Educação. A professora registrou ocorrência na Delegacia de Polícia e contou que foi agredida pela mãe de uma aluna conta que recebeu mais de 20 tapas no rosto e, depois, caída, levou ainda pontapés. A professora disse que, ao se aproximar da agressora, que queria falar com ela, em vez de cumprimento, ela recebeu tapas no rosto e pontapés. A cena aconteceu na frente de alunos. A professora, que há 12 anos trabalha na Escola de Aplicação do IEE e pediu para não ser identificada, estava na sala de professores quando foi chamada por um colega para atender a mãe da aluna. "Eu fui colocar a mão no ombro dela, e ela pegou a minha mão, não deixou falar e começou a me bater. Acho que levei mais de 20 tapas no rosto. Caí no chão e ela ficou me chutando", relembra a professora, que é contadora de histórias e há dois anos trabalha com 36 turmas de ensino infantil. Em quase duas décadas de profissão, nunca havia passado por situação semelhante. "O que mais me entristeceu é que tudo aconteceu na frente das duas filhas dela e de outras crianças. Fiquei mais machucada por causa disso." A diretora-geral do IEE, Gilda Mara Marcondes Penha, disse que em momento algum a mãe da criança procurou a escola para conversar ou registrar qualquer tipo de queixa em relação à professora. A escola não divulgou o nome da mãe para preservar a identidade da aluna. Os ataques a docentes são comuns nas escolas de Santa Catarina, mas com a brutalidade do ocorrido são raros, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte/SC).

 Maurício da Silva: Salários não são atrativos

 

Professor Alailson Leal: Não há investimento, incentivo e tão pouco apoio por parte da sociedade

Professora Lucília Panisset: Faz-se necessário uma mudança de paradigmas no sistema educacional

 


Professora que levou mais de 20 tapas

 

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